Foi reportada a utilização de técnicas de tortura em penitenciárias de cinco estados
Os dados são do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
Foto: Marcelo Casal Jr./Agência Brasil
Redação NERO
18/07/23 19:14

O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) identificou que os estados do Amazonas, Ceará, Pará, Rio Grande do Norte e Roraima, utilizam ainda uma técnica de tortura que consiste em fraturar os dedos das mãos dos detidos. O órgão tomou conhecimento da prática a partir da atuação da Força de Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

Participe do grupo do Nero no WhatsApp

“Por óbvio, isso é uma forma completamente ilícita, não é algo que possa se justificar a partir de nenhum viés, não há nenhuma justificativa legal, isso se configura muito claramente enquanto um crime. Um crime de tortura porque é uma forma de castigar, de impor um castigo ilegítimo, injustificado, para além do castigo que é a própria privação de liberdade”, afirmou a advogada e coordenadora do MNPCT Carolina Barreto Lemos.

De acordo com nota do MJSP, a Força Tarefa é “liderada por Policiais Penais Federais com expertise e cursos de capacitação em Intervenção Prisional e Escoltas, que coordenam os Policiais Penais mobilizados, a FTIP vem sendo empregada de forma eficaz na resolução de crises, motins e rebeliões, no controle de distúrbios e no reestabelecimento da ordem e da disciplina nos respectivos sistemas prisionais”. A Força Tarefa foi empregada pela primeira vez, para responder a uma rebelião dentro da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Natal, no ano de 2017, que resultou na morte de 26 presos.

Secretário da Justiça

Carolina Barreto Lemos, lembra a declaração de Mauro Albuquerque, quando ainda era secretário estadual de Justiça e Cidadania do Rio Grande do Norte, na qual, durante uma audiência pública na Câmara Municipal de Natal, o ex-secretário defendeu o uso excessivo de força como forma de controlar os detentos.

Albuquerque afirmou que “quando se bate nos dedos – falo isso não é porque não deixa marca nos dedos não… porque deixa marca – é para ele não ter mais força para pegar uma faca e empurrar num agente [policial], é para não ter mais força para jogar pedra”, segundo consta em relatório produzido pelo MNPCT, em 2019. 

A convite do ex-governador Camilo Santana (PT), Luís Mauro Albuquerque Araújo atua como secretário de Administração Penitenciária do Estado do Ceará desde 2019. Albuquerque, recebeu o Título de Cidadão Cearense em uma cerimônia realizada em 7 de dezembro de 2021 na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece).

Inscreva-se no canal do Nero no Telegram

Atuação da FTIP

Além de suas intervenções em momentos de crise, a FTIP também realizou treinamentos para as forças de policiais penais nos estados, o que contribuiu para a disseminação dessas práticas.

“E, com isso, dissemina-se as técnicas para além da sua atuação, a própria técnica de quebrar os dedos. Tanto é que, no fim do ano passado, em novembro, o órgão vai ao Rio Grande do Norte, que era o local que teve treinamento pela FTIP, apesar de a força não estar lá mais naquele momento, e identifica novamente [essa técnica] sendo usada”, declarou a advogada. 

A coordenadora do MCPCT, relatou que os casos de tortura perduram até hoje, pois apesar de atuar sob outro nome, os seus métodos continuam os mesmos.

“A equipe não deixou de existir, ela mudou de nome, atualmente está sendo chamada de Focopen, que é Força de Cooperação Penitenciária. Se não me engano, mas completamente ela continua atuando, e, até onde a gente saiba, partindo dos mesmos os parâmetros anteriores”, disse. 

No Ceará

A presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT) do Ceará, Marina Araújo, confirmou que a prática de tortura continua sendo identificada dentro dos presídios até hoje, tratando-se de um método aplicado de forma sistemática.

“Tanto quebra-dedos como posições de tortura são identificados, inclusive, como práticas que estão institucionalizadas, como sanções disciplinares que as pessoas internas hoje têm sido submetidas pela Administração Penitenciária a cumprir como procedimento disciplinar”, disse a presidente do CEPCT.

O Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas do Tribunal de Justiça do Ceará revelou em um ofício enviado ao governo de estado, que, no período de um ano, de julho de 2022 a junho de 2023, foram registrados 33 casos de tortura.

“O contexto de tortura foi identificado por diversos órgãos locais e familiares, tem sido denunciado exaustivamente, cotidianamente, e esse cenário já foi documentado e comprovado em diversos relatórios de órgãos inclusive nacionais. Como exemplo, a gente tem um relatório de 2019 do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura que identificou uma série de práticas de tortura e tratamento cruel dentro das unidades prisionais. Este mesmo cenário foi constatado pelo relatório de inspeções do Conselho Nacional de Justiça no ano de 2021”, declarou Marina.  

No ofício consta ainda a morte de 26 internos nas unidades prisionais cearenses, entre 2019 e 2021, com base nos dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Além disso, o relatório da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia do Estado do Ceará registrou cinco casos de suicídio de agentes penais no ano de 2021.

Marina Araújo destacou que há uma divergência entre o número total de mortes reportadas pelo CNJ e os números oficiais divulgados pelo governo, alegando que há um problema relativo à transparência na divulgação dos dados.

“Foram identificadas pela Secretaria de Segurança Pública somente quatro mortes no mesmo período analisado pelo CNJ. Então, tem um ponto que é sobre a transparência de dados e sobre acesso à informação de casos de tortura e de mortes nas unidades prisionais que precisa também ser pontuado”, afirmou.

Outras denúncias

É importante ressaltar que outros órgãos dedicados ao combate à tortura dentro das penitenciárias reportam ainda uma série de violações aos direitos humanos cometidas contra os presos, como as agressões físicas e psicológicas, superlotação do estabelecimento prisional, falta de colchões, escassez de condições básicas de higiene e a ausência de acesso à água potável.